Quando menino eu gostava de criar passarinhos em gaiola.
Curió, bigode, patativa e coleira eram meus preferidos. Sempre mais de um.
Papai reprovava veementemente. Mais do que isso, proibia. Dizia que os pássaros
deveriam ser livres, e que assim o deveríamos admirá-los. Quem realmente amasse
pássaros jamais os prenderia em uma gaiola. Não adiantavam seus argumentos, eu
insistia em criar, ainda que fosse um. Para driblar a proibição recorria à casa
de amigos. Com um deles, Nando, cheguei a ter uma “coleção veneno” – era assim
que chamávamos a nossa criação de passarinhos. Algum tempo depois, para minha
surpresa, pois papai dificilmente cedia ou admitia exceções às suas regras, ele
permitiu que eu tivesse um, só um. Agora, sim, eu podia ter um curió numa
gaiola em casa, sem me preocupar que meu pai o soltasse (libertasse, dizia
ele). Mas, as censuras não terminaram. Sempre que me via cuidando da gaiola não
perdia a oportunidade para falar sobre liberdade dos pássaros, reprovação de
Deus e etc, ao que eu sempre retrucava que eles, os pássaros, não tinham a
mesma percepção que nós, e, afinal, se eu o soltasse, outro garoto iria
aprisiona-lo ou quem sabe ele até morreria, pois já havia se acostumado em
gaiola. Até que, finalmente, papai parou de “me
encher” e eu pude, enfim, curtir em paz meu curió. Ah, e como eu curtia.
Não importava a hora. Foi assim que uma noite cheguei em casa, por volta de
20:00 h e acendi a luz para curti-lo. Ele imediatamente começou a saltar no poleiro
e cantar, para meu encantamento. Foi quando mamãe que a tudo assistia e nunca
havia censurado meu “hobby” comentou
que o “bichinho” depois de tanto
tempo em cativeiro já havia perdido a noção de tempo e, confundido pela luz
artificial da lâmpada da sala de casa, punha-se a cantar quando deveria estar
dormindo, como seus irmãos que viviam soltos na floresta. A sinceridade e
espontaneidade das palavras de mamãe fizeram-me pensar profundamente sobre
aquilo. Porque papai me irritava e tentava convencer-me com argumentos lógicos
e “políticos” eu nunca havia “sentido” o que realmente significava amar
aos pássaros. Agora, menos pelo que mamãe me disse, mas pela autenticidade de
seu amor pelos pássaros, eu entendi. O que sentimos pelos outros, ainda que
sejam os animais, não depende do que eles compreendam ou retribuam ou
agradeçam. Está em nós. Vem de Deus. Não há explicação lógica, como pretendia
convencer-me papai. Brota em nosso coração. Jorra. Mamãe abriu as comportas de
meu peito. Pela manhã, antes de ir para a escola (grupo escolar), pus a gaiola
do lado de fora de casa, no quintal, e deixei a porta aberta (não tive coragem
de soltá-lo). Fiz um acordo comigo: se ao voltar da escola ele ainda estivesse
lá, era porque queria ficar comigo e eu não o soltaria mais. Aquela manhã deve
ter sido uma das que eu menos me concentrei na aula (geralmente eu não me
concentrava muito mesmo). Contei as horas, minutos, segundos, até que a “campa” tocou anunciando o fim da aula.
Corri pra casa. Coração na mão. Fui direto pra gaiola...Sim, ele havia ido
embora. Seguiu seu instinto, como eu, finalmente, seguiria o meu. Fiquei triste
por uns dias. Acho que até fiquei tentado a ter outro passarinho em gaiola. Mas
não consegui. Não tive mais coragem. Naquele tempo, por conta dos meus pouco
mais de 10 anos de idade ainda não sabia o que hoje continuo aprendendo. Como
aquele passarinho que não voltou depois de ser libertado, o amor que jorrou de
meu coração também não poderia mais “voltar
a ser aprisionado”. Teria que ser livre, crescente, infinito, e, acima de
tudo, incondicional.
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