domingo, 28 de outubro de 2012

APRENDENDO SOBRE AMOR E LIBERDADE COM MAMÃE


Quando menino eu gostava de criar passarinhos em gaiola. Curió, bigode, patativa e coleira eram meus preferidos. Sempre mais de um. Papai reprovava veementemente. Mais do que isso, proibia. Dizia que os pássaros deveriam ser livres, e que assim o deveríamos admirá-los. Quem realmente amasse pássaros jamais os prenderia em uma gaiola. Não adiantavam seus argumentos, eu insistia em criar, ainda que fosse um. Para driblar a proibição recorria à casa de amigos. Com um deles, Nando, cheguei a ter uma “coleção veneno” – era assim que chamávamos a nossa criação de passarinhos. Algum tempo depois, para minha surpresa, pois papai dificilmente cedia ou admitia exceções às suas regras, ele permitiu que eu tivesse um, só um. Agora, sim, eu podia ter um curió numa gaiola em casa, sem me preocupar que meu pai o soltasse (libertasse, dizia ele). Mas, as censuras não terminaram. Sempre que me via cuidando da gaiola não perdia a oportunidade para falar sobre liberdade dos pássaros, reprovação de Deus e etc, ao que eu sempre retrucava que eles, os pássaros, não tinham a mesma percepção que nós, e, afinal, se eu o soltasse, outro garoto iria aprisiona-lo ou quem sabe ele até morreria, pois já havia se acostumado em gaiola. Até que, finalmente, papai parou de “me encher” e eu pude, enfim, curtir em paz meu curió. Ah, e como eu curtia. Não importava a hora. Foi assim que uma noite cheguei em casa, por volta de 20:00 h e acendi a luz para curti-lo. Ele imediatamente começou a saltar no poleiro e cantar, para meu encantamento. Foi quando mamãe que a tudo assistia e nunca havia censurado meu “hobby” comentou que o “bichinho” depois de tanto tempo em cativeiro já havia perdido a noção de tempo e, confundido pela luz artificial da lâmpada da sala de casa, punha-se a cantar quando deveria estar dormindo, como seus irmãos que viviam soltos na floresta. A sinceridade e espontaneidade das palavras de mamãe fizeram-me pensar profundamente sobre aquilo. Porque papai me irritava e tentava convencer-me com argumentos lógicos e “políticos” eu nunca havia “sentido” o que realmente significava amar aos pássaros. Agora, menos pelo que mamãe me disse, mas pela autenticidade de seu amor pelos pássaros, eu entendi. O que sentimos pelos outros, ainda que sejam os animais, não depende do que eles compreendam ou retribuam ou agradeçam. Está em nós. Vem de Deus. Não há explicação lógica, como pretendia convencer-me papai. Brota em nosso coração. Jorra. Mamãe abriu as comportas de meu peito. Pela manhã, antes de ir para a escola (grupo escolar), pus a gaiola do lado de fora de casa, no quintal, e deixei a porta aberta (não tive coragem de soltá-lo). Fiz um acordo comigo: se ao voltar da escola ele ainda estivesse lá, era porque queria ficar comigo e eu não o soltaria mais. Aquela manhã deve ter sido uma das que eu menos me concentrei na aula (geralmente eu não me concentrava muito mesmo). Contei as horas, minutos, segundos, até que a “campa” tocou anunciando o fim da aula. Corri pra casa. Coração na mão. Fui direto pra gaiola...Sim, ele havia ido embora. Seguiu seu instinto, como eu, finalmente, seguiria o meu. Fiquei triste por uns dias. Acho que até fiquei tentado a ter outro passarinho em gaiola. Mas não consegui. Não tive mais coragem. Naquele tempo, por conta dos meus pouco mais de 10 anos de idade ainda não sabia o que hoje continuo aprendendo. Como aquele passarinho que não voltou depois de ser libertado, o amor que jorrou de meu coração também não poderia mais “voltar a ser aprisionado”. Teria que ser livre, crescente, infinito, e, acima de tudo, incondicional. 

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