sábado, 7 de junho de 2014

                                               O ônibus e o tempo
                                                           Osvaldino Junior
O ônibus já estava quase lotado. Desacostumado com os solavancos, custei a equilibrar-me na cabine da cobradora que já me olhava impaciente. Outros preciosos segundos para retirar a carteira do bolso e o pagamento da tarifa com uma nota de R$-10,00 fizeram de mim seu pior inimigo. A vingança veio em moedas. Ultrapassada a linha vermelha hostil, ainda cambaleante encaminhei-me para o fundo do coletivo. Uma senhora olhou-me com certo ceticismo, como que dizendo: “você não é daqui”. Pensei: “fui descoberto”. Um jovem casal cochichava baixinho, enquanto afagavam as alianças. Lembrei das delícias e agruras desse início de vida. Cá comigo desejei-lhes felicidades sinceras. Na parada seguinte completou a lotação e uma mulher acima do peso buscou entre os homens alguém que lhe cedesse o lugar. Em vão. No meu tempo (pronto, delatei minha idade) dificilmente eu ficava sentado, pois era impulsivo levantar para uma senhora, um idoso, gestante ou simplesmente uma garota. Com o ônibus cheio perdi um pouco do espaço e até o “cano” do banco onde eu me segurava cedi para uma jovem que não alcançava o apoio que fica no teto e estava com dificuldades para se equilibrar. Sorriu levemente agradecendo. A senhora que desde o inicio desconfiou de mim percebeu meu gesto e aí então foi que me senti um “ET”. Na parada seguinte mais gente. O motorista apressa a subida dos passageiros e pisa no acelerador em ponto morto. O “rum, rum” do motor, alertou-me que nada mudou desde que há anos entrei num ônibus como minha única opção de “mobilidade urbana”. Corri o olhar pelas pessoas e quase pude reconhecê-las. Na verdade, algumas coisas mudaram, sim. As pessoas, mais absortas, “conversam” com seus fones de ouvidos. De vez em quando um celular toca. Mochilas, mochilas e mochilas, atrapalham quem as carrega e quem precisa passar. Um rapaz, sem pedir licença, vai abrindo passagem. Por trás sinto sua genitália me esbarrando, ainda que eu tenha me inclinado e igualmente esbarrado no passageiro que estava sentado à minha frente. Sinto nojo. Olhei para a mocinha ao meu lado e vi em seu rosto o mesmo sentimento. Também na outra ao seu lado, e na outra e na outra. À minha direita uma se fazia de desincomodada. Talvez tenha sido a maneira que encontrou de lidar com essas humilhações. Lembrei das mulheres “acochadas” do metrô de São Paulo e concluí que por aqui não é diferente. O calor me fez esquecer logo esse inconveniente. A viagem prossegue. Alguém conversa em voz alta ao celular. Duas senhoras se cumprimentam também em voz alta e perguntam reciprocamente por conhecidos comuns. Um jovem dorme de boca aberta. O calor continua. Fiquei feliz de não estar de paletó. Penso num banho. Lá fora, automóveis refrigerados parecem naves espaciais transportando seres de outro planeta. Sinto-me culpado pelo calor, por estar ocupando espaço de alguém que não conseguiu entrar na última parada. Sinto culpa até por haver progredido numa cidade em que a maioria de seus cidadãos não passa de voto e estatística para as Autoridades. Na parada seguinte, ao descer arrisco uma última olhada para “aquela” senhora. Seus olhos meio espremidos me dizem: “Você é um deles”.

  

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